Trem de alta velocidade tira mercado dos aviões

Entidade mundial de ferrovias entregou um estudo à Embraer.
Aeronaves da brasileira atendem setor (de até 600 km de distâncias) em que esse tipo de trem começa a se expandir.

Terceira maior fabricante de aviões comerciais do mundo, a Embraer começou a discutir a produção de trens de alta velocidade no Brasil. No início de março, a empresa convidou Iñaki Barron, diretor de alta velocidade da UIC (Organização Mundial de Ferrovias), para falar sobre o tema em sua fábrica em São José dos Campos (SP).
Os temas discutidos no encontro ficaram em torno do avanço do mercado de trens-bala sobre a aviação regional, principal mercado da Embraer, e absorção da tecnologia de produção de trens de alta velocidade pelo país.

A Embraer informou por meio da assessoria de imprensa que não tem estudos sobre o tema e que é normal chamar especialistas para dar palestras a seus funcionários. Durante o encontro, não se falou em participação da empresa no leilão da primeira linha do país (Campinas-SP-RJ), previsto para abril deste ano.
Segundo estudos da UIC, apresentados à Embraer e depois num seminário realizado em São Paulo, até 2025 a rede de trens de alta velocidade deve passar dos cerca de 14,7 mil quilômetros atuais para próximo de 36 mil quilômetros no mundo. E o principal mercado desses trens são as distâncias de até 600 quilômetros, muitas delas atendidas hoje por aviões comerciais fabricados pela Embraer. Esse setor responde por 58% da receita da empresa -que em 2009 foi de R$ 10,8 bilhões-, sendo quase tudo do mercado externo. Nas distâncias até 600 quilômetros, os trens roubaram, nas linhas já existentes na Europa e na Ásia, entre 50% e 90% dos passageiros de aviões.
Além da linha Campinas-São Paulo-Rio de Janeiro, o governo já iniciou estudos para outros três trechos: São Paulo-Curitiba, São Paulo-Belo Horizonte e Campinas-Triângulo Mineiro. Somente entre São Paulo e as outras três capitais, o número de passageiros transportados por avião em 2009, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), foi de quase 6,5 milhões (cerca de 13% do total).

TECNOLOGIA
Outro tema tratado no encontro foi a absorção de tecnologia de fabricação dos trens pelo Brasil. Pelas regras do leilão da primeira linha, quem vencer a concorrência do trecho Campinas-SP-RJ terá que ceder a tecnologia ao governo federal. O governo pretende criar uma empresa pública, a Etav, para receber essa tecnologia. E já afirmou que vai fazer parcerias para distribuí-la para centros de pesquisa e empresas instaladas no país com a intenção de ter um trem nacional. Novas linhas que venham a ser feitas no Brasil já teriam a tecnologia brasileira. Um trem de alta velocidade para 350 passageiros custa em média 23 milhões (cerca de R$ 60 milhões) e sua manutenção demanda um pouco mais que o custo da compra durante a vida útil de 30 anos.
Hoje há 2.500 trens desse tipo em operação no mundo e 15 empresas de oito países fabricam o produto, segundo dados da UIC. Um avião EMB-195, o maior da Embraer, com até 122 lugares, custa cerca de US$ 40 milhões (R$ 66 milhões) -inclui parte da manutenção.

Empresa já caminha para diversificação

A Embraer estuda diversificar seus negócios. Com um corpo técnico altamente qualificado (são mais de 3.000 engenheiros) e grandes investimentos em pesquisa e desenvolvimento, a empresa tem planos de entrar em novos empreendimentos. No fim do ano passado, a companhia criou uma subsidiária para a área de tecnologia aeroespacial, chamada Embraer Defesa e Segurança. A nova companhia terá capital de R$ 1,5 bilhão, segundo informou a própria empresa.
A sede da Embraer, em São José, fica no caminho da linha que vai ligar São Paulo ao Rio. E uma das suas principais concorrentes no ramo de aviação comercial, a canadense Bombardier, fabrica trens de alta velocidade e estuda entrar no leilão do trem-bala do Brasil, em abril.
O prefeito de São José, Eduardo Cury (PSDB), usou o exemplo da Embraer durante o seminário realizado pela UIC, para defender a realização do projeto no Brasil. Segundo Cury, a empresa, que hoje gera 30 mil empregos (próprios e de fornecedores), começou da identificação na década de 50 de que era necessário dominar a tecnologia de aviação. "Se olharmos para o futuro, temos que ver que será necessário ter trens de alta velocidade no país e no mundo e, por isso, precisamos dominar essa tecnologia. Se na década de 1950 quem criou o Centro Tecnológico da Aeronáutica, que deu origem à Embraer, fosse pensar em receita e despesa, hoje não fabricaríamos avião", afirmou.

Fonte: FOLHA DE SÃO PAULO / NOTIMP